quinta-feira, junho 17, 2004

Obrigado avó!!!

Infelizmente a nossa vida não pode ser levada sempre a brincar.
Existem coisas que nos marcam profundamente, como o nascimento de um filho ou, por antagonismo, a perca de um familiar ou amigo querido.
E foi exactamente esta ultima situação que me aconteceu e da qual ainda não me recompus totalmente.
A minha querida avó morreu após doença prolongada e embora soubesse que mais dia menos dia isso aconteceria, nunca fui corajoso o suficiente para lhe dizer cara a cara o Amor que por ela sentia (e sinto), nem assumir a falta que me faz para conseguir ter uma paz de espirito suficiente para enfrentar os problemas da vida, refugiando-me atrás das piadas e das graçolas, que me transportam para um Mundo onde me sinto inantingível.
Estas linhas hoje não têm nada que vos faça rir ou sequer esboçar um sorriso.
Estas linhas hoje são minhas para ela.
São a reprodução fiel do que lhe escrevi na véspera de Natal, mesmo sabendo que ela nunca as leria, são também o revelar da minha outra faceta com sentimentos, nostalgia e principalmente de homenagem a uma MULHER que foi tão só, a minha melhor amiga.

Esmeralda: A minha jóia mais preciosa

Há sempre para tudo uma primeira vez
E o que é que isso tem de mal??
Mas esta é a primeira que não os tenho a vocês
Na nossa ceia de Natal.

Quase nunca tivemos a família por completo
Comendo filhoses, o bacalhau, uma fatia de Bolo-rei,
Mas a vossa falta no Natal, junto deste neto
É igual à falta do meu pai, que já quase me habituei.

Fecho os olhos e como que ouço aquela jura
Aquele “lema” que diz sempre o Avô
Vai para trinta anos que ele assim o augura
“Eu pró ano já cá não estou!!!”

Mas ele viria com toda a certeza
Cheio de alegria no seu grande coração
Não fosse a sua mulher outrora tão “tesa”
Necessitar do máximo da sua dedicação

E é por essa linda mulher que escrevo estas linhas
Mesmo sabendo que nunca as irá ler
Queria que as suas dores fossem minhas
Que ao vê-la assim, “ausente”, débil, muito me faz sofrer

Mas se tudo isto eu lhe dissesse, não iria entender
Derrotada no seu leito, por vezes senil, nem me conhece
O quanto gostaria neste Natal ao meu lado de a ter
Porque este seu neto nunca a esquece

E revolta-me ver naquilo em que te tornaste
Devora-me por dentro toda esta situação
E onde esteve o Deus a quem rezaste????
Ou a Nossa Senhora do Monte Sião????

E o resultado de tanta reza, tanta promessa?
A mim sempre me pareceu uma tolice
Mas mesmo que por muito que se peça…
Ninguém pediu para viver assim na velhice!!

Mas se calhar, sem querer também eu contribui
E só de nisso pensar, avoluma-se ainda mais a mágoa
Pelos trabalhos em que porventura te meti
Enquanto crescia, rebelde, no teu odiado Correr d’A´gua

E o meu pensamento enche-se de recordações
Da infância minha que tornaste ainda mais bela
Lembro-me de todas as nossas excursões
Rimo-nos das botas perdidas na Serra da Estrela

E de todo o Carinho e Amor que me deste
Por vezes brincando, eu sempre to dei também
Por tudo o que me fizeste, sempre que pudeste
Fez de ti, minha querida, duas vezes minha mãe

E ver-te ali prostrada em atroz agonia
A dizer coisas sem sentido, algo nunca visto até agora
Sem nada que te prenda à vida, dia após dia
Pedindo baixinho que a morte te leve sem mais demora.

E enquanto esse minuto tarda e não vem
E aguardas paciente nessa tua longa espera
Quero que saibas que hoje e sempre te amarei
Minha avó, minha mãe, minha “fera”

Reli tudo o que tenho estado a escrever
E as lágrimas rolam devagar pela minha face
Quem me dera poder dar-tas a beber
Se, por artes mágicas, a tua saúde voltasse

Muito mais poderia eu dizer, mas só por ver-te assim
Fardo duro de carregar e que tanto me destrói
Abriu-se de tal forma, enorme ferida dentro de mim
Ninguém a vê, ninguém sabe como tanto me dói

Não falarei mais do teu Calor, dos teus Afectos
Das festas no cabelo do Ângelo, do Hélio, no meu
Mas que todos saibam que dos teus três netos
Mais nenhum sofre por ti como eu

E notem bem, atentem nestes dizeres
Que lhes prestem toda a atenção
Embora dividido com mais duas grandes mulheres
Tens a fatia maior do meu coração

E no dia em que partires
Para o teu lugar já reservado no céu
Ou gritar bem alto para ouvires
O TEU MENINO SOU EU!!!

Foi isto que lhe escrevi um mês e meio antes de ela partir, sem nunca mais falar comigo.
Desde o dia em que morreu, nunca mais voltei ao cemitério, a casa dela porque lhe sinto a falta (penalisando indevidamente o meu avô), mas aqui lhe presto a minha homenagem, tendo-vos a todos como testemunhas.
Obrigado avó!!!